Eu sei, venho aqui dizer que não ligo patavina ao dia e cai-me tudo em cima. Mas Pandora explica.
Na adolescência, quando comecei a ter noção disto do dia dos namorados, ou coincidiu ser a altura em que o fenómeno se começou a espalhar por cá, eu era uma adolescente solteirona. Portanto, no alto da minha solteirice, olhava de lado o histerismo criado à volta do dia, vomitava numa dor de cotovelo mal disfarçada de azia, no alto da minha arrogante solidão de solteira, o desprezo pelos ursinhos remelosos com o coração "I U", a rosinha vermelha e os postais com as promessas de amor eterno.
Depois veio a moda das alianças. Dia dos namorados era dia para trocarem alianças. Podiam até namorar há duas semanas, mas trocavam alianças, num compromisso de amor eterno. E se já desprezava os ursinhos, então as alianças eu atirava para o plano do absurdo. Houve um ano, no meu 12º, que estive a aturar o dia todo uma amiga que queria porque queria um urso gigante que tinha visto na montra de uma loja, e o idiota do namorado ofereceu-lhe uma aliança. A sério. A solteira tinha de ser a psicóloga destes histerismos. Mas à conta deles, lidava muito bem com a minha solteirice, aliás, se aparecesse em casa com um peluche de coração em riste sei lá o que me acontecia.
O dia dos namorados era aquele dia em que eu era mera espetadora de todo um show que nada me dizia, e me levava a crer que, se um dia eu vivesse um dia dos namorados com namorado, não queria nada daquilo.
O namorado veio, já na casa dos 20 e... Meses depois o meu primeiro dia de namorados não solteira. O que fazer? Sabia lá. Não queria peluches, nem rosas vermelhas, nada de alianças. Jantar fora. Descobri logo que era mais uma parvoíce. Restaurantes apinhados de romantismo vazio, decorações burlescas, ementas com o triplo do preço. Tirem-me deste filme.
Fomos vivendo à nossa maneira o dia dos namorados, sem peluches, rosas vermelhas, e os jantares fora eram atirados para dias normais, corriqueiros, sem decorações burlescas e romantismos vazios.
Ao sexto ano de namoro, ele achou que era altura de pormos aliança. Levou-me, sem eu a saber, a escolher. Nesse dia eu tinha roído as unhas, o verniz estava todo lascado, as unhas uma miséria. E fui a uma ourivesaria naquele preparo de unhas escolher a aliança. Lindo.
As alianças ficaram prontas a tempo do dia dos namorados, não que o tivéssemos pedido. Mas precisamente nesse dia 14 de fevereiro a sogra teve um acidente de carro grave. O romantismo da troca de alianças ao fim de 6 anos de namoro foi dar-me a caixa para a mão, apressado, enquanto corria para o Hospital. Eu e a minha sina. A sogra resolveu ultrapassar uma mota numa curva e bateu de frente com um GNR (eu sei, ela tem cá uma pontaria) na manhã do 14 de fevereiro que era suposto termos um dia romântico, com a troca de alianças. Que pariu o S. Valentim e o dia dos namorados. E a pontaria da sogra também.
As poucas tentativas de comemorações do dia saíram mais furadas que uma peneira. Que se lixe o dia dos namorados. Os corações, os ursos, as flores, os postais, as alianças trocadas nesse dia como juras de amor eterno. Agora vomito o dia dos namorados, não numa dor de cotovelo mal disfarçada de azia, no alto da minha arrogante solidão de solteira, mas na maturidade de uma relação de anos que, sim, precisa de ser alimentada com momentos doces e românticos, mas não precisa de um dia marcado no calendário para se obrigar a romantismos vazios rodeados de decorações burlescas a comer camarão ao dobro do preço, o dia de usar uma lingerie especial para A queca do ano.
Cada um vive as datas como as quer. O dia dos namorados, a mim, realmente não me diz rigorosamente nada de especial, nem tenho lembranças doces dignas de serem recordadas.