Cheguei ao sétimo dia. Podia ser dia de descanso, não é. Terça é dia de trabalho.
Hoje faz precisamente uma semana que estive na rua pela última vez. Foi um dia "normal" dentro da anormalidade que já se vivia. Fui trabalhar para a empresa, e à tarde desmontei o meu posto de trabalho para vir de "malas e bagagens" para casa.
Antes de regressar a casa para uma quarentena de tempo indeterminado fui fazer a manutenção das unhas de gel. BUUUUUUUUHHHHHHHHH, sua fútil!!!
Ora bem, eu costumo deixar de uma vez para a outra a marcação feita. Intervalo de 4 semanas, sempre. Portanto estava marcada. Depois, e porque vi que uma série de outras pessoas estavam já a fechar portas às suas atividades, nomeadamente a minha cabeleireira que é das que trabalha apenas e só por marcação, sendo que a cliente seguinte, se não se atrasar, chega e está a anterior de saída. Nunca, nos anos que já lá vou, vi aquele salão cheio de gente a fazer sala e a falar da vida alheia. Um dos motivos por que fidelizei àquela cabeleireira. Ora, trabalhando ela já com estas restrições, e tendo decidido fechar portas ainda antes do Governo decretar estado de emergência, perguntei à menina que me faz as unhas se estava a trabalhar. A resposta dela não podia ser mais sincera, como aliás é assim que ela é: sim, está a trabalhar, até porque tem dois filhos pequenos para criar e uma casa que comprou o ano passado para pagar. Sim, está a trabalhar até porque ainda antes deste caos já ela trabalhava de luvas e máscara, agora tinha cuidados extra na desinfeção constante dos materiais e pedia às clientes que antes de se sentarem lavassem as mãos ou as desinfetassem com o gel próprio para o efeito que ela lá tinha. E pôs-me à vontade se quisesse ir, ou desmarcar como já muitas clientes estavam a fazer. Eu fui. Primeiro porque já estava marcado e, já que ia ficar fechada em casa por tempo indeterminado, ao menos que tivesse as unhas arranjadas (que pena, estão tão bonitas para estar fechada em casa sem as exibir ao mundo, mas isto é para mim, para eu me sentir bem... ajuda, acreditem. Não estivessem arranjadas e eu já teria voltado ao meu antigo hábito de as roer, ainda mais em situações de stress). E depois porque efetivamente é o trabalho da rapariga. Fecha portas não ganha... e já estava ela, nesse dia, extremamente preocupada por ser declarado o estado de emergência e ver-se obrigada a fechar.
Portanto, antes de atirarem pedras a quem vai fazer as unhas ou tratar do cabelo, pensem que aquilo que para uns é um "luxo" de cuidado e bem estar pessoal, para outros é o seu trabalho, o seu ganha pão. E num país que, ainda não há muitos anos, passou por uma crise económica com altos índices de desemprego, altura essa em que apresentava o empreendedorismo e a criação do próprio negócio como a salvação da economia das famílias, o que vai fazer agora com essas mesmas pessoas que foram empreendedoras, abriram o seu próprio negócio, têm-se mantido ativas e a trabalhar nos últimos anos e agora são forçadas a fechar portas? Pois...
Só para que conste, se a minha cabeleireira estiver a trabalhar na altura em que já tenho marcação para ela, eu vou. Porque sei que seremos só as duas no salão, porque ela usa luvas para me pintar e lavar o cabelo, porque me vai mexer no cabelo e não na cara, e pronto, não podemos dar beijinho, certamente não convém conversar porque não seria possível manter os 2m de distanciamento, mas com os cuidados necessários seria perfeitamente exequível. Seria mais inócuo que os passeios que muita gente anda a fazer aos magotes, porque está sol e crime é desperdiçar o dia soalheiro e o tempo disponível para ficar em casa.
Mas pronto, entendo e respeito. Nada de cabeleireira e nada de unhas até não sei quando...mas podem haver palhaços a correr padarias e pastelarias para se sentarem a tomar o pequeno almoço, ler o jornal do dia e ter dois dedos de conversa com o compadre. E indignados que ficam se por onde passam ou está fechado ou não lhes permitem sentarem-se para degustar, como se nada se passasse, o seu pequeno almoço. True storie, como tantas outras que uma amiga que está a trabalhar na caixa de um supermercado vê todos os dias. Os piores, indica ela, os "inocentes" velhinhos, que vão várias vezes por dia ao supermercado, ora buscar um pacote de natas para fazer um bolinho, ora buscar a tinta para pintar o cabelo que a filha da mãe da cabeleireira está fechada, ora buscar outra merda qualquer de extrema necessidade (só que não). E quando chega a vez de entrarem na cafetaria, sentam-se nas calmas a beber o seu café ou o seu chá, e o resto do pessoal que está à espera, muitas das vezes para ir buscar pão, que espere e desespere. Os velhinhos primeiro. E no alto posto que a sua idade lhes confere, mandam toda a gente que os contraria ou lhes chama a atenção para o caralho. Que lindos os nossos velhinhos. Não serão todos assim, como é evidente, mas não me venham com merdas que coitadinhos, é a demência e o alzheimer e o caracinhas. Alguns são mesmo uns sacanas filhos da mãe. Até porque, como diz o outro, é filho de Deus e está protegido, não há vírus que lhe pegue. Ou a outra que em 76 anos só teve papeira, a filha é que tem a mania das doenças. Estes, se caírem numa cama de hospital e não tiverem ventilador, porque os médicos terão de escolher que pacientes ventilam, se calhar vão arrepender-se. Ou não. Vão achar que isto é como a eutanásia e os querem matar, coitadinhos deles...
Depois há os outros, os que são abandonados à sua sorte, estão sozinhos e sem apoio. Não, não pode ser tudo enfiado no mesmo saco. Não são (somos) todos iguais. Infelizmente por causa dos sacanas, lixam-se os inocentes.
Hoje não liguei a TV nas notícias enquanto tomava o pequeno almoço, mas fui espreitar o Facebook (esperta, eu). Mais do mesmo, mas houve um vídeo de Espanha que me tocou e me fez cair uma lágrima (algumas, vá): em frente a um hospital um desfile de carros da polícia e dos bombeiros, todos com as luzes e as sirenes ligadas. Pararam em frente ao hospital, saíram das viaturas e ficaram a bater palmas aos profissionais de saúde, os guerreiros da linha da frente desta guerra que enfrentamos. Emocionante. A pessoa que filmou estava também muito emocionada, como se podia perceber pelo que ia dizendo, com voz embargada. Retida na sua varanda, filmou este momento de solidariedade e apoio entre os profissionais que estão nas linhas da frente, enquanto nos pedem que fiquemos em casa protegidos, eles estão na rua a fazer o que podem para travar esta pandemia e garantir que havemos de ficar todos bem.
Bonito gesto. Belo momento de humanidade. Haja esperança!