Três semanas.
Ainda não cortei os pulsos. Nem me atirei da janela (também não ia longe, que o RC não está longe do pavimento).
Os dias vão passando numa falsa rotina. Horário de trabalho a cumprir (tem havido uns lapsos, entrar tarde ou sair mais tarde para não deixar coisas a meio) e depois, bem depois perdeu-se um bocadinho o controlo. O que estava como tempo para exercício físico e ainda sobrava tempo para relaxar antes de fazer o jantar, agora está mais numa de sai da cadeira do escritório, vai para a cozinha e começa a preparar o jantar, estou estupidamente cansada que só quero comer e ficar a vegetar em frente à TV enquanto passam os episódios diários de duas séries que ando a (re)ver.
Não ajuda o tempinho de chuva que me põe num estado anímico igual a uma cenoura. Murcha. Com a chuva nem ao terraço posso ir uns minutos sentir ar fresco na cara e levar com o sol nos olhos. Com a chuva adormece o urso polar que habita dentro de mim, e só tenho vontade de também ir ali para o sofá hibernar debaixo da manta.
Junte-se a isto a maldita TPM, com enxaquecas e cólicas à mistura e temos o caldo entornado. Os últimos dias eu andei imprópria para consumo, impossível de aturar.
Já passou. Está a passar. O pior pelo menos... hoje já me sinto mais enérgica, mais ativa, mentalmente mais desperta também.
Recebi há pouco o email a dar conta da tolerância de ponto nos próximos dias 9 e 13. Fiquei radiante com a perspetiva de um fim de semana de 5 dias para #gotoanywhere. Pelos vistos eu antecipei-me no modo urso polar a querer hibernar. Tivesse esperado mais uns dias e tinha o caminho livre para o sofá sem obrigações a cumprir.
Cenas dignas de registo para a posteridade:
1. Sogrinha querida teve sintomas, ligou-nos aflita porque estava com tosse e falta de ar. Filho deu-lhe instruções para tirar a temperatura (por acaso esta fui eu que lembrei) e para ligar para a Saúde 24. Nem um minuto depois ligava ela de volta. Ninguém a atendia, o drama, o horror, a tragédia. Filho fez uma simulação de chamada e foi logo atendido (atendimento automático, no qual se responde a umas questões de triagem prévia antes da chamada ser atendida efetivamente por alguém). Liga-lhe e volta a dar-lhe instruções mais precisas, detalhadas, explicando que TEM DE ESPERAR e que pode demorar, um colega dele esteve uma tarde inteira. Nem um minuto depois ela liga novamente. Que não consegue, que não a atendem, que não falam com ela. Foda-se... qual é a parte do esperar que não percebeu? O raio da mulher foi feita numa rapidinha ao estilo "então, estás a gostaste?", que não pode esperar 5 segundos que sejam. Filho volta a simular uma chamada para a Saúde 24, tem logo acesso, desliga, como é óbvio, e volta a ligar à mãe e já a cerrar os dentes e a revirar os olhos diz-lhe que ela tem de esperar para ouvir a primeira pergunta que fazem, e clica na tecla 1 e ESPERA que a seguir a atendam. Era ela voltar a ligar no minuto seguinte que eu fazia uma malinha de viagem e recambiava o gajo pra casa da mãe que o pariu. Que a ature e fique lá. Nova chamada da senhora, uns 10 minutos depois. Ah já tinham falado com ela, tinha de ir ao hospital fazer o teste. Que ainda perguntou se o filho a podia levar, NÃO (WTF, se ela visse mais notícias e menos novelas da TVI talvez estivesse minimamente informada do que se está a passar), ou ia sozinha de carro se se sentisse em condições ou ia uma ambulância buscá-la. Mas ela não podia estar com ninguém. Eu bem disse que já me estava a imaginar a recambiar o filho para debaixo da saia dela e que ficasse lá por tempo indeterminado. Pois então foi fazer o teste, ficaram de ligar no dia seguinte com o resultado. Ora, era suposto ontem ter o resultado, não teve. Mas ligou uma médica a perguntar como ela estava (está melhor, fresca que nem uma gota de orvalho) e que iam ligar duas vezes por dia para saber como ela estava. Resultado do teste? Ainda não havia. Portanto estamos neste compasso de espera. A senhora está bem, igual a ela própria, para mal da minha paciência, acredito que o corona vírus passou-lhe ao lado. Nem ele tem pachorra para aturar uma criatura daquelas. Mas até ter resultados concretos, é esperar por uma resposta definitiva. Então mas e a senhora é das que anda na rua como se nada fosse? Seria, se por um lado quando isto começou há três semanas o filho não lhe andasse a ligar diariamente a dizer que ela não podia sair de casa, ainda mais sendo doente cardíaca, e por outro lado porque onde ela costuma ir está fechado. Ainda assim, por mais que o filho lhe dissesse que se precisasse de alguma coisa do supermercado ele ia buscar e deixava lá em casa, a senhora achou que ir até ao Continente era giro para esticar as pernas. Depois teve ainda o azar de ir ao centro de saúde para uma consulta de pós cirurgia que estava marcada, mas que obviamente foi cancelada e não a avisaram. Sucede que ela foi lá na véspera do centro de saúde ser encerrado por haver profissionais de saúde infetados. Estas saídas temos conhecimento porque contou. Mas a senhora também só conta o que lhe interessa, portanto não posso pôr a mão no fogo em como efetivamente tem estado quieta e sossegada em casa.
2. Gandhe voltou ao trabalho. Não contava que fosse já, a empresa entrou dia 1 em lay-off mas a administração tem andado a reunir diariamente e o que hoje é, amanhã já não é... e isto é mesmo próprio do contexto em que vivemos, não há planos a curto nem médio muito menos a longo prazo. Vive-se ao dia, quando muito à semana em questões de planeamento. Na sexta passada recebeu informação que esta semana arrancaria a produção, para dar resposta às encomendas que chegam, curiosamente, dos países asiáticos que regressam agora à normalidade possível. Vai produzir a meio gás, algumas equipas convocadas, e normas muito restritas de higiene e segurança para voltarem ao trabalho. Gandhe não estava no leque de pessoal que regressaria de início, mas ontem o chefe ligou a perguntar se ele não se importava de ir... e hoje já voltou ao seu normal horário de trabalho. Vamos lá a ver como isto corre.
3. A minha diretora vai fazendo reuniões por skype para ver como a equipa está. Pelo meio vai lançando assim umas indiretas para nos deixar de sobreaviso. Pelo andar da carruagem, regressamos à base lá para julho. Nada que eu já não tivesse pensado. Numa fase inicial achava que em junho já poderíamos regressar a uma certa normalidade, mas depois que as previsões apontam o pico da infeção para fins de maio que deixei de ter ideias de pseudo liberdade em junho. E mais, a ser realista, o voltar à normalidade não será como se nada tivesse acontecido, ou melhor, que já passou e não há mais riscos. Não acredito muito nisso. Será um regresso faseado, com restrições para segurança de todos, o que implica que espaços públicos ou que permita aglomerados de pessoas estejam bastante condicionados. Começo a achar que em agosto, por segurança de todos, não será de todo aconselhável ir até à praia, essa coisa que temos como garantida no verão: ir à praia. Eu até posso ter a toalha a 3m de outra pessoa. Mas e o ir até à água? E à casa de banho? E à esplanada comer um gelado? Pois... cenários a pensar. Logo se vê. Não coloco muitas expetativas para não me desiludir muito.
4. As redes sociais continuam a ser um mundo próspero em idiotice. Note-se que idiotice é a incapacidade de coordenar ideias... Vou ficar por aqui. Hoje. Pode ser que me dê vontade de fazer um apanhado dos tesourinhos deprimentes.