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Estórias na Caixa de Pandora

Estórias na Caixa de Pandora

14
Jul20

"Se eu consigo, vocês também conseguem"...

Só que não!

Não nos comparemos, e digo isto a mim própria, por que é tão fácil cair neste engodo das comparações, como se vidas, corpos, pessoas, sentimentos se pudessem comparar.

Na ordem do dia está a capa da Helena Coelho e a sua transformação. Quer ser inspiradora e é, e em simultâneo levanta aqui uma série de outras questões. E é normal que assim seja, são as duas faces da mesma moeda.

Debate-se se o objetivo de emagrecer para ser capa de revista é válido. Por mim é, como qualquer objetivo individual que apenas diz respeito a quem o decide e se esforça para o atingir. Esta é uma discussão um tanto ou quanto oca, tal como foi há uns anos uma blogger ter dito que o sonho dela era ter uma mala da Chanel. Cada um sonha com o que bem entende, cada um estabelece os seus objetivos pessoais e a isso chama-se aquela coisa fantástica que é a liberdade de escolha.

O busílis da questão reside no facto de ser uma figura dita pública, influencer neste novo mundo onde o digital ganhou tanta importância e visibilidade. E por isto eu compreendo argumentos que li a alertar para o risco de uma pessoa com cerca de meio milhão de seguidoras (considerando que o público alvo é maioritariamente feminino e entre os 20/30 anos) promover ideias de magreza como sinónimo de ser saudável, de ser magra para caber numas calças da secção infantil, como se fosse o grito do Ipiranga da moda, de passar a imagem que a sensualidade (o ser sexy) e felicidade da mulher passa por dedicar a vida ao culto do corpo, no matter what. Fica ali no limbo os possíveis comportamentos obsessivos e pouco saudáveis para atingir fins que são "questionáveis" e o perpetuar de um conjunto de ideias pré concebidas, como: o ser magra é ser linda e sexy, é ter saúde, é ser o exemplo de um estilo de vida e alimentação saudáveis. O resto não cabe aqui, logo é nocivo. A postura de proximidade que procuram ter com o público, porque se ela conseguiu qualquer pessoa consegue. Qualquer pessoa? Seja qual for a vida de cada um, horários, responsabilidades, disponibilidade e condições várias?

Não comparemos. A Joana Roque faz o seu meal prep, que tanta gente ambiciona, às segundas. Ora, uma grande maioria de nós às segundas está a enfrentar trânsito, transportes públicos, picar ponto, trabalhar horas a fio fora de casa. Quando chega o fim de semana há limpezas / arrumações, tratar de roupa, supermercado, e ainda tentar encontrar tempo para lazer e descanso.

A Helena Coelho trabalha no digital onde tudo se mostra e se exibe, e onde, obviamente, se procura mostrar e exibir o melhor, a sua melhor versão. Trabalhar o corpo para ser capa de revista e fazer a campanha dos biquínis faz parte do seu trabalho. Enquanto milhares de mulheres estão sentadas atrás de um computador, ou horas em pé atrás de um balcão de atendimento, ou seja qual for o seu trabalho que as limita a um espaço diminuto e a tarefas que não incluem exercício físico, Helena Coelho pode literalmente trabalhar o corpinho.

Não se fazem omeletes sem ovos. E não se pode proclamar aos quatro ventos que se a Helena Coelho, com a vida que tem e as condições que reúne consegue, outra mulher, daquelas que acorda às 6h30 enfrenta um dia com filhos, trabalho, tarefas domésticas, transportes, trânsito, muito tempo e energia despendidos para outras pessoas e outras tarefas que não passam por tratar de si próprias, também consegue. E já nem estou a entrar naquele campo minado de que cada corpo tem o seu próprio ritmo e características e, se umas para emagrecer basta deixarem de beber refrigerantes e comer pizzas para passar a comer mais saladas e beber mais água e chás e quiçá fazer umas caminhadas, para outras não é bem assim. E deste lado fala uma mulher que está em luta consigo própria e a tentar lidar com a frustração de ter alimentação saudável, exercício físico moderado e o corpo responder de forma oposta: engordo sem perceber porquê. Já fiz despiste em várias especialidades médicas, exames vários, e esbanjo saúde (e não sou magra com o estômago encostado às costas). Muito grata por isso. Agora o que vejo ao espelho não gosto e está a custar muito encaixar, work in progress. E independentemente dos filtros que até considero ter, é fodido levar com as Helenas Coelho deste mundo, que dão aquele ar que  tudo é tão fácil e simples como somar 2 + 2, como se aquilo que exibem fosse o pináculo da existência humana, o atingir o nirvana. E quem não consegue é uma preguiçosa que não mexe o rabo do sofá e não come o que devia.

Por analogia, nem todas temos as segundas feiras livres para nos dedicarmos ao meal prep da semana toda. E nem todos os corpos reagem da mesma maneira à alimentação ou ao exercício (sim gente, não é uma equação matemática com um resultado certo). É que esta aqui que vos escreve, durante a quarentena fez sessões diárias de 30 minutos de indoor cycling, e também fazia aulas de fitness pelo Youtube, e caminhadas e comia legumes e carnes brancas ou peixe, fruta como snacks em vez de bolachas e pão. And guess what? Engordei e ostento uns pneus que fazem uns rolinhos quando me sento. O drama que foi escolher entre fato de banho e biquíni quando, há dois fins de semana atrás, decidi começar a ir à praia. E por falar nisso, expliquem-me como raio é que o fato de banho (alegadamente) disfarça mais a barriga? Eu só me sinto uma grávida de 6 meses (sem o estar). Escolhi o biquíni e assumo os rolinhos. Eu disse, work in progress.

Parte do meu processo de aceitação está a passar pelo Yoga. Trabalhar de dentro para fora. E tem sido diário. às 6h30 acordo e os primeiros 30 minutos do meu dia são dedicados ao Yoga. Os rolinhos estão cá, bem como a celulite. Eu estou é a aprender a aceitar o que vejo ao espelho, agradecendo a bênção de ser saudável e tendo como objetivo, não o six pack, mas ultrapassar a ansiedade e stress que fazem estragos no meu organismo (e não só). Estou a aprender a viver com mais calma, aprender a respirar e a parar, olhar para dentro de mim e procurar equilíbrio e serenidade. E isso faz-me mais feliz que as costelas à mostra.

Só gostava era de sentir menos pressão por não caber nos estereótipos, gostava de não ter vergonha por vestir um biquíni e ficar de rolinhos à mostra, ou gostava de não ter de responder vezes sem conta que não, não estou grávida.

 

10
Jul20

Blackout

Olá, olá! Sim, ainda estou viva e de saúde.

Perdi a conta às vezes que abri o editor de texto e fiquei de olhar perdido na tela em branco. O desfecho era sempre o mesmo: fechar e sair.

Nos blogs estou apenas como espetedora, vou lendo, passando os olhos. No Instagram vou espreitando, publiquei uma ou outra coisa e saio de fininho.

Estou numa fase que me sinto esmagada. Os blogs andam um pouco esquecidos (faço parte desse grupo), poucas atualizações. É normal nesta altura de silly season. Até os canais de séries estão naquela altura que repetem pela milionésima vez temporadas e séries, filmes do tempo da Maria Cachucha (e o piadão que é ver um filme de natal em pleno verão, num dia de calor?). No entanto este "abandono" dos blogs vai além da silly season. É também motivado pela forte presença nas redes sociais, Instagram então está em alta. Publicações imediatas, rápidas visualizações sempre a somar, tudo muito rápido e instantâneo, muito mais visível para quem vive deste e neste mundo digital e das visualizações de conteúdos too fast and too furious... porque lá é tudo estupidamente rápido. Fazem exercício um mês e ficam com um six pack quase digno de Carolina Patrocínio. Começam a comer mais couves e espinafres, e a fazer pequenos almoços com as cenas instantâneas da Prozis e pum, esbanjam saúde e bem estar em corpos magros. Os saldos ainda mal começaram já compraram este mundo e o outro. Ainda há pouco se começou a desconfinar e já correram o país de lés a lés, já mostraram não sei quantos alojamentos perfeitos para férias em tempos de Covid, já jantaram em tantos restaurantes mega seguros em tempos de Covid.

Sim, tudo isto me esmaga na minha insignificância de comum e ordinário mortal que trabalha entre 8 a 10 horas por dia, acumula tarefas domésticas, porque se quero comer tenho de cozinhar, se quero casa limpa e arrumada, tenho de tratar disso, se quero roupa lavada para vestir, pois claro que também tenho de providenciar, porque ainda ninguém inventou uma App que faça isto tudo à distância de um click. E fazer contas, eu que detesto matemática, nunca foi a minha área de eleição, e agora conto euros e cêntimos, peço orçamentos e comparo preços, revejo planos e tenho de fazer escolhas e cedências. 

E sim, até sou uma gaja com filtros, que tem perfeita noção que as influencers do Instagram mostram uma realidade cheia de filtros, camadas de filtros, e até sei algumas curiosidades daquelas que me fazem pensar que os cabazes da Prozis e os trapos que recebem das marcas criadas pelas amigas influencers não pagam as contas da água ou luz ou gás, uma vergonha essas empresas de fornecimento de serviços não criarem parcerias

E não obstante os filtros que aplico, e até saber de fonte segura de alguns "podres" escondidos debaixo dos tapetes magníficos destas influencers de vidas perfeitas, sinto-me esmagada quando percorro redes sociais num momento que esperava que fosse de descontração e distração e levo com tanto exibicionismo e montras de vidas absolutamente fantásticas, felizes e perfeitas que ou desligo ou acabo esmagada como uma barata insignificante.

Olho o mundo em volta e acho que isto está em total descontrolo, um comboio de alta velocidade em vias de descarrilar. Subvertem-se valores, erguem-se bandeiras em lutas sociais que de luta social tem muito pouco, tudo é de um extremismo ofensivo que chegamos ao cúmulo de ter de apagar pedaços da história universal porque, nem sei porquê. Se temos muitos períodos da nossa História que, aos olhos de hoje, são vergonhosos? Sim. Mas a isso chama-se evolução. Sabemos o valor da paz depois de passar pela guerra. Sabemos o valor da vida humana depois de termos conhecido o seu total desrespeito (e aqui não faltam exemplos desde a antiguidade até aos dias de hoje). Sobre isto gostei muito do texto da Carmen Garcia no Público, Politicamente correto? Eu saio aqui.

E tudo isto, confesso, me tem afastado do blog, de escrever e partilhar fragmentos dos meus dias. Podia escrever sobre o meu regresso ao local de trabalho, da adaptação a esta nova realidade, daquilo a que já muitos de nós vão chamando "novo normal". Podia vir aqui partilhar as leituras ou outras banalidades de uma vida comum. Podia partilhar a experiência de regressar às aulas de dança, ou sobre a continuidade e evolução (gradual, passo a passo, com calma e muita paciência comigo mesma) na prática de yoga e o impacto que vou começando a sentir nos meus dias, na minha forma de estar. Podia... mas estou esmagada por esta wrecking ball chamada plataforma digital. Então anulo a minha presença, espreito fugazmente e viro costas. Vou viver a minha vidinha e está tudo bem assim.

 

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