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Estórias na Caixa de Pandora

Contém merdas que não (te) interessam...

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Contém merdas que não (te) interessam...

06
Mar25

Pertencer

TU PERTENCES AQUI

Há um gigantesco outdoor com esta frase em frente à sala onde agora estou no trabalho. Penso na ironia de olhar para isto o dia todo, quando o sentimento é precisamente o oposto. 

Esta sensação de não pertencer, de sentir-me sem lugar deixa-me assim num vácuo. 

Não me arrependo de ter mudado de emprego. De ter saído de onde estive a trabalhar durante quase 11 anos, onde tanto aprendi e cresci pessoal e profissionalmente. Quando me senti estagnada e bloqueada, quando, também esta sensação de já não ter lugar ali, começou a ser demasiado pesada para suportar, fiz a minha escolha: arrisquei a mudança. 

Em meio ano no novo emprego enfrento uma nova mudança, que me tem deixado meia atordoada e sem rumo. A Direção do serviço mudou no início do ano. E vi a minha posição na equipa ser colocada em causa, porque a nova Direção entendia não precisar de alguém com aquelas funções. Contudo, isso não significava eu ter de mudar de serviço, havia lugar aqui para mim, mais abrangente ao serviço, a toda a equipa, e não apenas afeta à Direção. 

Tudo bem.

E a partir daí tenho sentido que ando um pouco à deriva, com algumas indefinições, o que é apresentado numa semana, na outra já não é bem assim. Integrei uma equipa dentro do serviço, passei a ter uma chefia intermédia, assumi outras funções e tarefas, há intenção de me atribuírem algumas responsabilidades, e estou bem com isso. Contudo, ainda pouco se concretizou. Em janeiro ocupei o tempo a fazer formações, antes isso que ficar a olhar para a parede. 

Sei que sou o elemento mais recente do serviço, entrei para uma função muito específica (assessora de Direção). Felizmente para mim entrosei-me bem com a Direção que me seleccionou, desenvolvemos metodologias de trabalho e organização eficientes, em pouco tempo ganhei a confiança e senti as minhas competências valorizadas. Cedo percebi que eu era uma das exceções. A maioria das pessoas do serviço não gostava da Direção, e sem entrar em detalhes que para aqui não interessam, faço apenas uma analogia clichê: quando uma equipa quer pôr o treinador a andar, o que faz? Apresenta maus resultados, faz boicotes, entre outras coisas pouco dignificantes. 

O desfecho foi a pessoa que assumia a Direção do Serviço ser posta a andar, veio outra em regime de substituição.

Se o desempenho do serviço melhorou? Não. Isto anda meio desgovernado, tudo o que a anterior Direção implementou (e principalmente os vícios que cortou - breve nota explicativa, trata-se de uma instituição da Administração Pública, onde não faltam exemplares de funcionários públicos daqueles que dão a fama, cheios de direitos, zero deveres, uma cambada de "velhos do Restelo" que não aceitam mudanças porque "sempre se fez assim", e ai de quem lhes faça frente e mexa naquilo que acreditam ser o seu poder ou direito adquirido) em menos de nada foram por água abaixo.

Entretanto, a nova Direção que entrou a dizer que não precisava de uma pessoa só afeta a ela como assessora, decidiu há duas semanas atribuir essa função a uma outra pessoa do serviço. E mais uma vez, ironia da vida, a mesma pessoa que, quando eu entrei atirou comentários sarcásticos e com tom de desprezo sobre ser "secretária" ou "assessora", agora anda cheia de manias e a achar-se super importante porque é ASSESSORA da Direção. Na verdade deve achar-se vice-diretora, da maneira como começou a dar ordens a tudo e todos, incluindo as chefias intermédias, e a controlar os colegas. As voltas que a vida dá e como as pessoas se revelam mediante os contextos.

Estou no meu canto. Deixei de ter um gabinete individual, passei para uma sala open space. Voltei a ter de levar com colegas que passam o dia na conversa, a falar e a discutir merdas sem qualquer respeito por quem também está no mesmo espaço e precisa de sossego para se concentrar e fazer o seu trabalho. 

Dou por mim a sair da sala quando o teor da conversa é meio viperino e não me apetece de todo estar ali a levar com aquela toxicidade. Prefiro descer e ir até lá fora fumar um cigarro sozinha, do que estar ali nas conversas cruzadas da treta. Prefiro almoçar sozinha (ou sem companhia de pessoas, porque aproveitar para ler não é estar sozinha) do que alinhar nos grupinhos. Vox populis, "nas costas dos outros vemos as nossas", são tão amigas e colegas de trabalho de anos, e fazem com cada comentário nas costas umas das outras. E depois almoçam juntas e até vão à missa um dia por semana, na hora de almoço. 

Sinto-me uma outsider, a assistir de fora a este circo. Só falta começar a trazer pipocas. Já esteve mais longe. 

Se me sinto sozinha? Não, de todo. Tenho bons colegas, daqueles que, como eu, estão ali para trabalhar, para prestar o melhor serviço possível, sem medo de mudanças ou de implementar outras metodologias que promovam a eficiência do serviço. E são homens. Pragmáticos. Racionais. E com mais inteligência emocional que o mulherio. Ou pelo menos com mais honestidade, frontalidade e transparência.

Agora atirem-me pedras pela minha falta de sororidade. É o que é. 

Respiro fundo. Olho para o outdoor e lembro-me que há meses atrás foi para aqui que vim. Como nada acontece por acaso, acredito que tenho lugar aqui. Posso é ainda não ter percebido bem qual é. Pertenço a uma grande instituição, o serviço onde estou é apenas uma parte de um universo muito mais vasto e complexo. Ainda não sei se é neste serviço que encontrarei o meu lugar, ou se terei de entrar em mobilidade interna para encontrar esse lugar onde sinta essa pertença. 

 

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