Privilégios de morar na praia
Ontem a aula de pilates foi na praia: pé descalço na areia, alongamentos, respirações, alguns agachamentos. No fim, ir à água molhar os pés e contemplar o pôr do sol. Simplesmente extraordinário.
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Ontem a aula de pilates foi na praia: pé descalço na areia, alongamentos, respirações, alguns agachamentos. No fim, ir à água molhar os pés e contemplar o pôr do sol. Simplesmente extraordinário.
No fim de semana emocionei-me com o que fui vendo nas redes sociais sobre as homenagens aos irmãos, Diogo Jota e André Silva. A tragédia que levou cedo demais estas vidas, a tragédia que entra sem pedir licença na casa das suas famílias, arrasando tudo num ápice.
Vou remeter-me a um respeitoso silêncio, pois estas perdas tão abruptas são extremamente dolorosas e devastadoras, para estar a debitar frases feitas e clichés que soam demasiado ocos diante de um imensurável vazio.
Quase tanto quanto me emocionei, também senti vergonha alheia: as palmas das pessoas conforme iam chegando as "celebridades". Ali, naquele momento de profunda dor, não havia lugar a celebridades. Eram amigos e companheiros, que queriam chorar e despedir-se em sossego, em recolhimento. E como se não fosse suficiente, os pseudo-jornalistas em modo abutre: as imagens dos pais, da viúva, de quem chega, as perguntas totalmente descabidas e sem sentido ali, naquele momento.
E depois rebenta a polémica sobre a não presença do Cristiano Ronaldo, porque como Capitão da Seleção era obrigação... e não será obrigação de todos ter o mínimo de respeito por quem chora? Já nem digo empatia, pois isso parece estar fora do alcance da inteligência emocional da maioria. Aliás, viu-se com a corrida ao cemitério para tirar selfies nas campas... a humanidade em completo degredo e podridão de valores morais. Respeito, sabem o que significa? É o mínimo.
E depois deixei de ver. Desliguei das redes. Porque o ver é também alimentar este circo de abutres que se alimentam do sofrimento alheio.
Por estes dias podia ter vindo aqui, a esta caixa de texto em branco, despejar palavras. Teria muito a despejar. A questão é que a sessão de mentoria da semana passada deixou-me naquele estado de quem levou terapia de choque e precisou de silêncio e recolhimento para processar.
Ir cada vez mais a fundo nos traumas recalcados há anos é uma viagem solitária, ainda que esteja a ser devidamente orientada. E sim, é denso, é pesado. Enfrento os bloqueios que toda a vida me serviram de defesa, proteção, sobrevivência.
Não me curvo perante a dor. Sei que o caminho é enfrentar e seguir em frente. E tem o seu preço. E demora o seu tempo. Exige resiliência, consistência e coragem.
* Mário Quintana
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