O Amor nos Tempos de Cólera
Antes da leitura febril de Escrito na Água, andei dois meses com este clássico de Gabriel García Márquez. Dois meses. Não tanto porque a leitura não me cativasse, mas pela falta de disponibilidade a nível de tempo e emocional. Há alturas erradas para determinadas leituras, e acredito que não escolhi o momento certo para esta leitura.
Se a história me desencantou? Não. Se a leitura foi lenta por não me prender? Talvez.
Tenho andado numa fase em que os livros que me prendem e me fazem "arranjar tempo" são thrillers ou mistério e suspense. Aquela curiosidade e ansiedade de avançar e descobrir os motivos, o criminoso, os meandros dos mistérios move-me, motiva-me, empolga-me.
Neste romance de Gabriel García Márquez temos uma história de amor inserida numa crónica social e de costumes. Temos um triângulo amoroso que, não o sendo nos moldes comuns dos triângulos amorosos, dura 51 anos, nove meses e quatro dias, numa passividade platónica de deixar a vida acontecer, acreditando que, algures no tempo, o destino se encarregará de juntar os dois jovens, pueris e inocentes apaixonados, que a vida, a teimosia ou o acaso separaram em tenra idade.
O quotidiano das personagens, movendo-se à frente deste cenário, acaba por ser a medida e o sentido de todas as coisas: a pobreza e o luxo, a solidão e a festa, a glória e a miséria dos dias. O que melhor o romance comporta é uma atitude filosófica elementar: humaniza, através do amor, a morte inevitável dos homens (...).
Uma breve paráfrase da ação da obra, para que dela se captem os mecanismos utilizados na construção da história: no dia em que o octogenário Dr. Juvenal Urbino acaba de ser enterrado, Florentino Ariza apresenta-se na casa da viúva Fermina Daza e reafirma-lhe uma "fidelidade eterna e um amor para sempre". Sobre esse momento tão ansiosamente esperado, haviam decorrido cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias, ou seja, desde aquela hora fatal da juventude em que Fermina decidira repudiá-lo. Nesse tempo, tendo concluído que Florentino não passara duma "sombra" na sua vida, casa com Urbino e apaga da sua memória o antigo apaixonado, de quem vinha recebendo súplicas, hinos plangentes arrancados às cordas do violino, flores e missivas diárias carregadas de poemas líricos e frases de grande apuro estilístico. (...)
A ação do romance vem a culminar num fim feliz: Fermina recebe Florentino na sua intimidade, e nasce entre ambos uma espécie de núpcias sublimes a que as viagens intermináveis dos barcos fluviais emprestam a sugestão do retorno ao paraíso perdido. (João de Melo)
Um romance de memórias, constantes retrocessos no tempo, um herói solitário, peregrino num labirinto de paixão e amor, agarrado à esperança de que um dia a sua amada, a quem jurou uma fidelidade de monge, o salvará da sua sombria vida. Um romance onde as dicotomias vida/morte, amor/solidão, doce destino/fatalidades e cruezas da vida andam de mãos dadas e acompanham este homem na sua odisseia de estar vivo e não ser amado.