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Estórias na Caixa de Pandora

Estórias na Caixa de Pandora

19
Ago15

O que é ter uma mãe tóxica: testemunho

Os pais também precisam de limites
Há várias formas de se ser ‘difícil’, mas as filhas de mães tóxicas em geral queixam-se de narcisismo (a mãe põe a sua vida e as suas necessidades antes das necessidades da filha e age como se a filha fosse uma extensão sua), preocupação com o exterior (a mãe preocupa-se com ‘o que as pessoas vão dizer’ se a filha faz qualquer coisa que não aprova), desinteresse ou incapacidade de perceber a vida da filha (não pergunta nada sobre a vida dela), anulamento de fronteiras e desrespeito pelo espaço ou autoridade da filha (telefona à hora que quer, interfere com a casa dela e os filhos dela, faz aos netos aquilo que a filha lhe disse especificamente para não fazer), crítica constante (falta-lhe empatia para perceber as escolhas ou comportamentos da filha), vitimização (acha que nunca teve aquilo que merecia) e incapacidade de dar o braço a torcer (não se mostra disposta a mudar para melhorar a relação com a filha).
Como é que se convive com isto? Por um lado, temos vontade de cortar com aquela pessoa. Por outro, mãe é mãe…
“Temos tantos problemas com a mãe porque não conseguimos colocar limites”, explica a mediadora familiar Margarida Vieitez, autora do livro ‘SOS Manipuladores’ (Esfera dos Livros). “E não conseguimos porque temos muito medo e muitos medos: a mãe é a relação mais básica, o nosso modelo, precisamos que ela esteja presente na nossa vida. Temos medo da rejeição, do abandono, do conflito, da culpa.”
Enquanto somos crianças e adolescentes, não há muito a fazer em relação a isto. “Perante uma mãe culpabilizante, castradora, crítica ou pouco afetuosa, a criança tende a pensar que não é merecedora da admiração e amor, a sentir-se culpada, rejeitada e abandonada”, explica Margarida Vieitez. “É muito difícil uma criança ou adolescente reagir, uma vez que o que está em causa é a aprovação maternal. Muitas vezes, apenas no final da adolescência a filha se apercebe dessa ‘toxicidade’, e mesmo assim tende a negá-la! Ou então, pode começar a perceber que esses padrões ‘tóxicos’ nada têm a ver com ela e a diferenciar-se, o que pode ocasionar conflitos de vária ordem.”
Depois, há a tristeza pela filha ideal que sentem que não são: “A maioria das mães sabe que o importante não é ter a filha ideal mas uma filha feliz, mas ainda existem as que cobram e exigem o que elas próprias não conseguiram dar, criando sentimentos de culpa muito fortes nas filhas. Um dia, teremos adultas insatisfeitas e com baixa autoestima, que podem tornar-se tão ou mais tóxicas que as mães.”
Na idade adulta, ao medo junta-se o dever e a culpa. “Culpamo-nos e deixamos que nos culpem com imensa facilidade”, nota Margarida Vieitez. “Sentimo-nos culpadas quando dizemos ‘não quero’, quando dizemos ‘não é isso que eu penso’, ‘não concordo’. Dizer ‘não’ é sempre difícil, e a culpa em relação à mãe é enorme. Começamos a odiá-la, e sentimos culpa por esse sentimento. Depois há o dever: todos nós somos educados na noção do ‘dever’ para com os pais, e quando queremos colocar limites e dizer ‘isto não é bom para mim’, encostam-nos à parede e calam-nos, mesmo em relação a situações absurdamente injustas e inimagináveis.”

 

Nunca é tarde para mudar

Portanto, devemos dizer ‘não’ e ir contra culpas e deveres quando o nosso bem-estar está em risco. Mas será que vale a pena, perguntam muitas filhas com mães já idosas, cristalizadas numa vida de manipulações. “Nunca é tarde para ter uma nova atitude, para pôr os pontos nos ‘is’ e para nos fazermos respeitar”, explica Margarida. “E elas aprendem a respeitar-nos.” O que se deve fazer: potenciar a comunicação assertiva. “Ou seja: não a culpabilizar de volta, porque isso já ela faz há muitos anos contra nós, mas dizer-lhe exatamente como nos faz sentir. Se não tiver esta conversa, as atitudes dela vão continuar como sempre foram.”
Estabeleça regras e limites: não vou permitir mais aquilo que fazes comigo. “Aconselho a que se vá tentando estabelecer mudanças. Muitas vezes, estas mães são pessoas muito manipuladoras e narcisistas, que sempre se habituaram a controlar os outros, e é difícil fazê-las mudar. Mas elas mudam.”
E quando não mudam? “Muitas filhas tentam conversar, colocar limites, mudar o ‘registo’, mas às vezes os comportamentos já estão tão cristalizados que é difícil mudar, com a agravante que a própria mãe nem se apercebe.” Pedir ajuda especializada pode ser a solução e deve ser feito. Pode-se tentar uma mediação com um psicólogo. “Geralmente, começa por vir uma das pessoas sozinha à consulta, e nós através dessa pessoa muitas vezes conseguimos chegar à outra.” E assim tentar quebrar o círculo da manipulação materna…

 

3 MEDIDAS DE EMERGÊNCIA
Sugeridas pela terapeuta familiar Karyl McBride, no livro ‘Will I ever be good enough’.

1 Relação ‘light’
Muitas filhas tentam a terapia, mas muitas mães difíceis são narcisistas: não são capazes de comunicar intimamente com os outros e também não conseguem conectar-se com a sua vida interior, e portanto muitas vezes não colaboram com a terapia. Remédio: admitir que nunca serão próximas e ter uma relação mais leve, mais distante, sem tentar uma intimidade que ela nunca dará.

2 Separação temporária
Tire uma ‘folga’ da sua mãe para se recompor. Diga-lhe que está a tratar de assuntos urgentes e que lhe telefona se houver uma emergência.

3 Separação total
Se tentou tudo e mesmo assim aquela relação compromete inequivocamente o seu bem-estar, esta pode ser a única opção. Mas é raro haver quem a tome, até porque é uma opção socialmente muito malvista e condenada.

 

Artigo completo aqui

 

Li este artigo quando estive de férias. A primeira leitura foi de me gelar o sangue nas veias.

Depois abri o Google e pesquisei: mães tóxicas. E li sobre o tema. E o sangue foi aquecendo. Não estou sozinha. Nunca estive. Afinal há mais como eu, há mais mães como a minha. Infelizmente. Mas serve o consolo de não ser a única ou uma das aves raras que teve esta sorte na vida.

O primeiro embate é ver toda a nossa vida, ou aquela parte da relação mãe/filha, descrita ipsis verbis. Depois analisar causas e soluções. Fiquei gelada, e isto foi quando eu estava no calor alentejano, a gozar um merecido descanso, e a sentir-me em harmonia e equilíbrio comigo e com a vida. Deixou-me a pensar. Fez-me viajar no tempo e recordar, com verdadeiros arrepios de medo, episódios, tantos, da minha infância/adolescência/juventude/e já vida adulta. 

Vejo o meu próprio percurso face a este trajeto de vida, que não escolhi. A criança assustada que fui, sempre com medo, sempre a tremer, saco de pancada constante, mesmo que nada fizesse; a adolescente sem auto-estima, totalmente fechada e isolada; a jovem tímida, acanhada, rejeitada, triste; por fim a adulta insegura, amedrontada, com uma visão muito distorcida de si mesma, num misto de culpa e monstruosidade, porque eu era o diabo em forma de gente... neste percurso de crescimento foi presença assídua e constante a manipulação e vitimização, nas quais a minha mãe é mestre. 

Das tentativas de suicídio às abordagens, ainda que breves (felizmente), pelo mundo das drogas, tentei vários escapes, até isolar-me completamente: do mundo e de todos. Achei que não ia sobreviver, fui emergindo e submergindo no mar revolto que eram os meus dias. E à medida que crescia, ganhava opinião e voz própria, as coisas iam piorando. Chegada a adulta, com licenciatura concluída, primeiros empregos e namorado, foi o caos: aos sinais evidentes da minha independência, a minha mãe transformou-se em algo ainda pior, e eu julgava que já conhecia o pior dela. Comi o pão que o diabo amassou, passei o inferno. Quanto mais ela me queria dominar, prender, segurar, ter só para ela, mais eu lhe escapava por entre os dedos. Estragou a fechadura do meu quarto e da casa de banho que eu usava para que eu não tivesse onde me fechar. E, vezes sem conta, invadiu a casa de banho enquanto eu estava na banheira, para os seus discursos inflamados de acusações e cobranças. Acusava-me de tudo. Chamou-me puta, várias vezes, assim, na minha cara. E outros nomes e insultos. Vaticinou a minha eterna infelicidade e fracasso, que eu não valia nada, que sempre me iam tratar como lixo no chão, que era o que eu merecia. Acusava-me de lhe fazer bruxarias, de destruir a vida dela, de ter sido a culpada do divórcio. E aos 25 anos reagi a uma agressão física: dei-lhe um estalo. Que ainda hoje me queima na mão, na alma. A situação começou a ficar descontrolada. As acusações, as ameaças, mal eu punha o pé em casa, depois de um dia de trabalho, muitos ainda com explicações depois de sair, levava com a avalanche de insultos e acusações em cima. Houve dias que quis voltar ao carro e sair de casa, só para não a ouvir, para não ter as unhas dela cravadas nos meus braços, a impedir-me de lhe virar costas. E ela plantava-se atrás do carro. E eu tive vontade de lhe passar por cima. Percebi que eu própria estava a ultrapassar os meus limites, a ficar descontrolada. Houve noites que saí com o carro e vagueei pela noite, num choro compulsivo, numa agonia, completamente perdida, sem saber o que fazer, que assim não podia continuar. Se o Ghande não estivesse na minha vida, eu não teria tido dúvidas: ia até ao fim. Já não era uma tentativa como aos 16 e aos 18 anos. Era para ser o fim, mesmo. Só isso me libertaria daquelas garras, daquela loucura. E sim, até o Ghande foi alvo de ataques: todos os esforços reunidos por parte dela para nos separar. Em criança e adolescente, eu não podia ter amigas, porque a minha única amiga era ela. Em jovem/adulta, nada de namorados, porque não a podia deixar sozinha, tinha de olhar por ela, cuidar dela, viver para ela. Só ela podia existir na minha vida. E aqui podia partilhar episódios em que deliberadamente me afastou da restante família, pai incluído, ou o que ela contava nas ruas da aldeia, sempre ela a vítima, a desgraçada, a mártir, eu o monstro infame. 

Reuni condições e saí de casa aos 27 anos. Esteve sem me falar meses. Eu era a filha ingrata que a abandonava. 

Ao fim de uns meses uma espécie de reconciliação. Tentei a relação light descrita no artigo. Sem sucesso. Recorri à separação temporária. Menos sucesso que a anterior. A 13 de Outubro deste ano faz 2 anos que a vi pela última vez. A 1 de Novembro a última vez que falei por telefone, telefonema meu, no qual fui maltratada, insultada, e com o telefone desligado na cara.

Eu continuo à espera, ad aeternum, de um pedido de desculpa. Desta vez não sou eu que dou o braço a torcer, que ponho para trás das costas porque "ah, é mãe". Para mim chega. E só assim estou bem, em paz, com algum equilíbrio e num constante trabalho de conquistar autoconfiança, auto-estima, amor próprio, de me valorizar, de acreditar em mim, de me sentir capaz, de me sentir bem comigo própria e com os outros, porque, afinal, o monstro não era/sou eu.

Tenho ainda muito trabalho pela frente. Muito caminho a percorrer. Muitos medos e inseguranças a dominar. Há dias mais complicados. Há alturas em que esta situação com a minha mãe dói. É um vazio que nada nem ninguém preenche. Mas depois eu penso: caramba, passei pelo inferno e sobrevivi. É isso. Eu sobrevivi a uma mãe tóxica. E agora, sem medos ou culpas de falar nisto, vejo que há mais pessoas como eu, histórias como a minha, piores até. Eu consegui. Estou viva, estou bem, estou feliz. E o monstro não era/sou eu.

 

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