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Estórias na Caixa de Pandora

Estórias na Caixa de Pandora

06
Mar24

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Recordo uma versão de mim anterior, do passado. Aquela versão de mim que acreditava não merecer que coisas extraordinárias lhe acontecessem. Que não era boa o suficiente, que haveria sempre alguém melhor, mais capaz, mais inteligente e eficiente e tudo o que eu não conseguiria alcançar ou ser. Aquela versão de mim que tinha medo de sair da sua zona de conforto, porque arriscar o desconhecido era terreno demasiado árido para as minhas parcas capacidades. 

E assim vivia eu, numa carapaça que me servia de proteção e de esconderijo. Até que a vida aconteceu. E a morte. 

"Nunca acreditamos no tamanho da nossa força, até que a vida nos obrigue a ser fortes."

 A versão de mim após iniciar terapia tem sido uma constante construção e descoberta. Muito adultecer (aprender, crescer, amadurecer).

A versão de mim hoje ainda tem os seus medos, ainda tem as suas inseguranças, ainda tem os seus dias em que se acha insuficiente. Só que agora esses medos e inseguranças não me bloqueiam, não me fazem ficar escondida debaixo de uma carapaça. Hoje esses medos e inseguranças são a força que me leva para a frente, para caminhar em direção ao desconforto, ao desconhecido, que me levam mais além dos limites que me impunha. A carapaça pode dar-me a sensação de segurança ou proteção. Mas não me leva a lado nenhum. Fico ali, numa existência amorfa, escondida de todos, de mim. 

Ao conhecer-me, ao aceitar-me plena, como sou, ao aprender a amar-me e a valorizar-me, já não é debaixo da carapaça que quero estar. Quero andar, sentir o vento a emaranhar-me os cabelos, quero descobrir novos caminhos, quero encontrar várias possibilidades, quero viver e sentir novas experiências e emoções. 

Percebi que não sou eu que sou insuficiente ou não mereço que me aconteçam coisas extraordinárias, que há oportunidades que também podem surgir no meu caminho, e não só aos outros. 

Há uns meses uma dessas oportunidades, que achava que só aconteciam aos outros, bateu-me à porta. Sussurrou-me. E não tive medo. Senti um impulso dentro de mim para ir. Permitir-me esse salto de fé. Acreditar que se essa oportunidade me surgia, eu sou capaz e mais do que suficiente para tomar conta. 

Alguns meses se passaram até se poder formalizar, e nesse compasso de espera, sim, tive os meus momentos de ansiedade, dúvidas, o síndroma do impostor a ressurgir e a deitar-me abaixo. 

Enfim, o primeiro passo formal está concretizado. Faltará algum tempo, pouco ou muito, para a concretização final. Está em movimento. Vai acontecer. E eu olho com carinho para a "velha" versão de mim. Digo-lhe que fora da carapaça o mundo é vasto e belo. E mesmo com medos e inseguranças, ir é o verbo que mais importa. 

19
Fev24

A constante inconstância

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Fotos tiradas neste sábado e domingo. Fotos tiradas praticamente do mesmo ponto, com cerca de 24 horas de diferença. E o sol radioso de sábado ficou escondido entre as nuvens de domingo. Quase parece que também o sol tirou o domingo para aquela ronha entre mantas no sofá.

A inconstância é uma das constantes da vida. Não há dias iguais, mesmo que nos pareçam a mesmice de sempre, quando estamos demasiado embrenhados numa rotina em piloto automático. A vida flui. Simplesmente assim. O sol nasce, brilha com maior ou menor intensidade, põe-se, as marés mudam, a noite vem com a lua numa das suas fases, e tudo parece igual. E é sempre diferente. Já vi árvores a florir, anúncios da primavera a chegar, a natureza que se prepara para uma nova estação, que apesar de repetida, é diferente e única. Porque mesmo aquilo que parece repetir-se, não é uma repetição do que foi, é uma renovação, um (re)começo. Um novo nascer. 

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Penso na dor que ainda me vai consumindo. Penso no sentido que faz (digo já que é nenhum) eu permitir que a dor do passado venha até aos dias de hoje, depois de tantas marés e fases de lua. Como posso fazer isto a mim própria, este desvalorizar, este sentir-me menos, esta comparação que me tolhe e derruba, me atira para um pântano enquanto coloco num pedestral divino a outra mulher que vejo como melhor, incomparavelmente melhor que eu. 

Então respiro. E deixo de pressionar a ferida. Olho com amor e cuido de mim. A falta de empatia ou sororidade não é responsabilidade minha. A dor não coube só a mim, mas também a ela. E a sua dor é a sua dor, ela que cuide, que trate, que olhe, que retire as aprendizagens que tiver a reter. Ou não e que repita tudo outra vez. Eu junto os meus cacos, cuido das minhas feridas, deixo sangrar ou tento controlar os danos. Das lágrimas que já derramei, faz-se passado. Agora quero sorrisos. Mereço sorrisos. Os meus, os dos outros, os da Vida. 

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25
Jan24

Parar para recomeçar

Em setembro decidi inscrever-me nas aulas de yoga da escola de dança onde sou aluna. A aula de yoga até calha no mesmo dia da minha turma de dança, pelo que em termos logísticos soava espetacular. 

Só que.

Só que fazer uma aula de 50 minutos de yoga antes, repito, antes de uma aula de quase 2 horas de ritmos latinos é só insano. Iniciava a aula de dança num estado de relaxamento e era difícil recuperar o ritmo que é exigido. 

Mais...

Para chegar a tempo da aula de yoga tinha de sair um pouco mais cedo do trabalho, enfrentar o trânsito na hora de ponta e andar em contra relógio para chegar a tempo. Isto por si só gera stress.

Ter duas aulas tão distintas seguidas, com uma pequena pausa que dava para mudar de roupa, e comer qualquer coisa (tipo uma banana) quando dava, considerando que chego a casa depois das 22h, era um fator de exaustão. 

E, por fim, mas não menos importante...

Não me estava a identificar com as aulas de yoga. O professor em apreço aposta num estilo um tanto ou quanto acrobático, posturas complexas (como a chamada "pavão" que me fez pensar, por momentos, que estava numa aula de contorcionistas chinesas). Não me identifico com este estilo de yoga, prefiro yoga mais fluído, com sequências de movimentos suaves e sincronizado com a respiração (exemplo, a sequência da "saudação ao sol").

O que procuro no yoga? Fluidez de movimento, maior flexibilidade, maior consciência corporal, redução de stress, melhorar concentração, técnicas de respiração. Procuro um momento de relaxamento e autocuidado. Conseguir pôr o cotovelo por baixo do joelho e o pé debaixo de não sei o quê não é de todo o meu objetivo, nem no yoga, nem na vida. Ser disto nas aulas que frequentava estava a causar-me demasiada frustração. E eu, que andava frágil, ainda mais fragilizada me sentia: mais insuficiente e em derrota comigo mesma. 

E decidi parar. Com aquelas aulas, pelo menos.

Fiz uma pausa. 

E agora que me sinto mais alinhada, estou à procura de alternativas. Yoga, pilates (clínico), algo do género. Descobri que uma clínica a dois passos de casa tem aulas destas modalidades. Achava eu que era uma clínica só de fisioterapia e afinal não. Tem consultas de variadas especialidades, e tem algumas modalidades direcionadas ao exercício físico, componente mais clínica ou para o bem estar e saúde. Exatamente o que procuro. 

O primeiro passo foi dado: pedi informações, horários, preços. A ver se é compatível com os meus horários e disponibilidade. A localização pelo menos não podia ser melhor, logo ali ao virar da esquina da minha nova rua. 

 

05
Jan24

Pequenas notas

Amanhã é a festa de "natal" da escola de dança. Convívio de reis, uma vez que não foi possível realizar em dezembro. 

Amanhã vamos novamente apresentar a coreografia que ensaiámos para a festa de fim de ano letivo (em julho). Os ensaios têm corrido bem, exceto o de ontem. O último ensaio antes da apresentação foi um desastre. Tudo correu mal. Estava desconfortável nos sapatos de salto, calquei-me a mim própria, enganava-me ou enganava-se o meu par e eu bloqueava, não conseguindo retomar a sequência. 

E eu, eu não ando muito bem. Autoestima em baixo, a sentir-me um ogro, o que ontem teve impacto na forma como dançava, sem brilho, sem paixão, sem leveza. 

Começa em mim. Eu sei. Tenho de fazer as pazes ao espelho comigo, com a minha imagem refletida, cá dentro de mim. Encontrar novamente o meu brilho. E dançar com leveza, a mesma leveza que procuro para viver os dias.

Ainda tenho aqui na minha mochila umas pedras para largar. Registada a nota de consciência.

Quanto à coreografia, dizem os gurus das artes performativas que é mesmo assim, o último ensaio antes da apresentação é o que corre tudo mal para depois correr bem. Que assim seja.

 

 

28
Abr22

...

A tela em branco é assustadora. Mais ainda quando se esteve ausente, distante, em recolhimento, introspeção e (re)construção durante um tempo.

Um dia de cada vez.

Por ora, a vontade de regressar. Vontade que não esmorece perante uma plataforma que já viu os seus dias de glória e agora está ao abandono do grande público. É precisamente aqui que me sinto acolhida e tranquila. Em casa. 

16
Ago21

Cruzes canhoto que isto custa tanto!

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Como assim ainda há uma semana, e há duas, estava de papo para o ar ao sol, ao som das ondas do mar, a levar com a brisa nas trombas e a sentir-me tão bem e tão leve?! 

Eis-me de regresso ao trabalho e, como as coisas não andam muito animadoras, este regresso está a custar tanto. 

Nos últimos tempos é ver gente a sair. Gente com tanto tempo de casa como eu, ou há mais tempo ainda, ou menos. Gente que insatisfeita e desmotivada segue novos caminhos. E eu tenho pensado tanto nisso também. De me deixar deste comodismo. Deste estar mal e ainda assim procurar pontos positivos, que tornam-se cada vez menos. Ainda de férias fico a saber da saída de mais 4 colegas. Dois já sabia. Os outros dois fui apanhada de surpresa. Mais ou menos.  Vejo-lhes a coragem de mudar. Dou-lhes os parabéns por essa coragem e pelas novas oportunidades que lhes apareceram. E fico aqui a matutar que eu também tenho de me fazer ao caminho, pôr o CV a circular, voltar aos sites de emprego e perceber o que há de ofertas no mercado de trabalho. Isto de esperar milagres dá poucos (ou nenhuns) resultados... 

26
Jul21

Notas soltas

Ontem fez um ano que recebi um telefonema do meu pai. Pedia que o levasse ao hospital que não aguentava mais. Há um ano que o vi sair de casa pelo seu pé, ainda que muito enfraquecido, e não voltou a entrar. Sinto que esta semana vou estar em loop a reviver pelas memórias tão frescas todo o processo desde que ele entrou nas urgências, foi ao bloco operatório, houve um vislumbre de esperança que ia ficar bem, para haver uma recaída sem retorno. Segunda ida ao bloco operatório, de onde saiu em coma induzido, para não mais acordar. Foram dias numa contagem decrescente angustiante, em que ouvia o que a equipa médica ia dizendo de todo o quadro clínico, até vir a sentença final. As memórias são tão frescas como se tivesse sido há um mês e foi há exatamente um ano. E um ano parece tão pouco tempo e, simultaneamente, uma enormidade de tempo. Misturam-se cá dentro estas diferentes perceções do tempo, que é ele igual e si próprio, impávido e sereno, implacável na sua passagem. É só tão parvo este reviver de algo tão doloroso, que já passou, já foi, nada pode mudar, é aceitar e seguir em frente, honrando a memória e a vida, que foi como foi, como tinha de ser. E ao mesmo tempo parece inevitável este reviver, lembrando o dia do mês, o dia da semana, e até as horas em que falei com ele, ou com a equipa médica, dias após dia, o que me iam dizendo e como tudo se foi desenrolando num fatalismo inelutável. 

 

Estou em contagem decrescente para as férias. Daqui a uma semana espero estar no meu pequeno paraíso, refúgio junto ao mar, a respirar e curar a alma, a parar o tempo e ficar suspensa nessa paz e tranquilidade que aquele sítio me traz. Só quero atirar os biquínis (e fatos de banho) para dentro da mala, juntar uns vestidos soltos e as havaianas e seguir, leve e solta.

 

Por falar em biquínis... finalmente ganhei coragem (não, foi mesmo aproveitar a pelintrice de um desconto de 40%) e comprei um biquíni Ros Lisbon. Foi devolvido esta manhã. É muito bonito na modelo magra, com 1,70 de altura. Num metro e meio de gaja roliça, com curvas generosas e anca boa para kizomba, o dito cujo fica só estranho. Paciência. Tirei as teimas. 

 

Tenho andado às voltas a pensar na minha vida profissional. Cada vez mais insatisfeita com o trabalho, ando com umas ganas de bater com a porta e virar as costas. Só que não é tão simples assim, e sem ter plano B ou C, fica só muito irracional e irresponsável simplesmente virar costas e depois?  Depois "mais nada, nem sol nem madrugada" (lembrei-me da música, deixai lá estes pobres e queimados neurónios). A pandemia veio revelar o pior das pessoas e ando, acima de tudo, farta de muitos dos exemplares da espécie humana com quem me cruzo no dia a dia. Era pegar nelas e mandá-las para a ilha do Santo Caralhinho. Só com bilhete de ida. Nada a agradecer.

 

Vi a série Sex Life. Curiosamente, não foi por ter lido sobre ela nas internetes, foi mesmo a minha terapeuta que me falou da série e me recomendou ver, sob o ponto de vista da abordagem sistémica. Gostei muito da série. É uma série em camadas. Pode-se ficar na superfície e desfrutar de boas cenas de sexo, bem mais escaldantes e inspiradoras que as 50 sombras de Grey (é que nem tem comparação), devidamente contextualizadas numa história de quase triângulo amoroso, pode-se encarar como a crise de identidade de uma mulher na casa dos 40 (ou lá perto), que acabou de ser mãe pela segunda vez, que vive num casamento absolutamente perfeito e seguro, aquele que todas desejam e sonham, só que há algo que falta... e aqui, comum à grande maioria dos mortais, vemos a rotina e a relação a ser vivida como um dado adquirido a levantar dúvidas e questões (levante o dedo quem, a dado momento, também não as teve... poderá a vida ser só isto? Sendo que o "só isto" não é necessariamente mau, contudo, quer-se mais). Ou pode-se ir descascando as camadas e ir mais profundo na interpretação da história das personagens. O peso do passado, os traumas que vêm das relações familiares, condicionam comportamentos e levam a repetição de padrões, o respeito pela privacidade do outro, a aceitação da vida, que foi como tinha de ser e só assim se chegou onde chegou (em vez de ter ciúmes dos ex's, aprender a aceitá-los, pois foi por eles terem existido na vida que foi possível vir o seguinte e formar-se aquela família), e outras questões que, agora, tenho ferramentas que me fazem estar mais atenta e ir mais fundo na visão de certos temas e assuntos. Portanto, não é uma série apenas sobre os dramas de uma dona de casa entediada e com saudades do sexo intenso e escaldante que teve na juventude, é muito mais que isso. 

 

Na quinta levei a 2ª dose da vacina Covid. Se na 1ª fui toda cagunfas e fiquei apenas com dores no braço onde fui picada, na 2ª fui toda confiançuda e levei com uma pedreira inteira de sono, ainda gostaria de perceber como não fiquei com QWERTY marcado na testa (sim, porque aqui a pessoa é responsável e tal e veio trabalhar mesmo estando toda fodida... é que reconhecem muito esses sacrifícios, uiiiiii), seguido de umas dores de cabeça e dores de corpo que imagino serem semelhantes às de alguém que foi atropelado por uma manada de javalis em fúria. Depois de dois benurons no bucho e algum repouso, no sábado acordei bem, sem sinais de sintomas. 

 

Calha que na sexta foi o aniversário do namoro. 17 anos depois, 10 kgs a mais e eis-nos a jantar numa agradável esplanada com vista para a Ria de Aveiro, noite que terminou cedo, cortesia da pandemia, na farmácia de serviço mais próxima a comprar Benuron, para mim que ainda tinha um resquício de sintomas da vacina, para ele que anda com uma contratura no pescoço e uma inflamação no tendão que lhe provoca dores e mal estar. A ternura dos 40. Ou como estamos a envelhecer juntos. Com muitos trancos e barrancos pelo meio, e ainda, por ora, juntos. Os 17 já somaram. A ver se chegamos à maioridade para ir beber um copo 

 

 

20
Jul21

O Yoga e eu

Cronica_Yoga.JPG

Artigo completo aqui, revista Saber Viver

 

Houve um tempo em que eu olhava para o yoga e achava que não era para mim. E não era. Naquele tempo. Demasiado parado e eu precisava de gastar energia em coisas mais mexidas, não tinha paciência, não tinha flexibilidade, e outras inúmeras coisas que me passavam pela cabeça. Havia aulas de yoga na escola de dança que frequento, e não me faltaram oportunidades e convites para experimentar. Adiei sempre.

No confinamento dei uma oportunidade ao yoga. E havia algo diferente. Em mim. Comecei a apreciar muito mais os movimentos fluídos que respeitam o corpo em vez de o estar a esforçar para além dos limites em aulas de cardiofitness, nos moldes de 40 segundos em modo intensivo a fazer um exercício e 10 segundos de repouso. Repetia. Várias Séries. Múltiplas dores musculares. Um andar novo. Ou não andava de todo. 

No yoga aprendi a respirar. A centrar-me. A estar presente e focada. A parar. A aceitar os limites. A perceber que os limites são diferentes todos os dias e está tudo bem. A viver o momento, o aqui e agora, ir até onde eu posso naquele momento e está tudo bem. Respeitar os limites. Ir conquistando aos poucos, estendendo esses limites, com todo o respeito pelo corpo. Sem forçar. Sem rasgar músculos e ficar com dores durante dias.

O yoga tornou-se muito mais que uma forma de exercitar o corpo. Tornou-se muito mais do que exercitar o corpo. E por isso não me faziam sentido as publicações que via no Instagram de posições dignas de contorcionistas chinesas nos Jogos Olímpicos. E ontem encontrei o artigo acima mencionado e identifiquei-me com cada vírgula. O yoga é uma prática de autocuidado, é um hábito de amor-próprio. É isto. É tão isto. E sorri para mim ao ler o artigo, por saber que estou no meu caminho, não há certos ou errados, há o caminho que cada um escolhe para si. E o meu é este, o yoga como um dos meus momentos de autocuidado, pessoal e privado, uma das ferramentas usadas no meu desenvolvimento pessoal, na procura do meu equilíbrio interior. O bem estar que sinto por dentro é visível por fora. 

 

30
Jun21

O peso de uma herança

Tenho andado com tanta vontade de escrever. Por mim, para mim, para pôr para fora este turbilhão de emoções que por aqui anda.

E não é que a vontade passe. É o tempo que se escapa entre os ponteiros, numa correria, é o cansaço físico e, acima de tudo, emocional que me retrai e afasta deste espaço de encontro comigo.

Páro. Respiro fundo. Encontro um momento para me dar uma folga. Como que para ganhar fôlego para nova investida. Tem de ser. E é por este "tem de ser" que me movo e me deixo, em determinados momentos, levar pela ansiedade e angústia. Sinto-me a carregar um pesado mundo às costas.

Com a morte do meu pai, sendo eu filha única de pais divorciados, vejo-me neste papel de única herdeira. Com tudo o que acarreta de bom e menos. bom. Acho que de positivo é a questão de não ter de andar "à batatada" com ninguém, com stresses e discussões que nunca levam a lado nenhum, a não ser a um desgaste emocional e da própria relação familiar, que pode já não ser muito equilibrada ou harmoniosa. O resto é estar sozinha com o peso de uma herança em cima e tudo o que isso implica, desde impostos, encargos, responsabilidades e tomada de decisões que não, não são nada fáceis.

Os meses vão passando, algumas decisões foram sendo tomadas, as conversações com o meu tio (irmão do meu pai) para concluir o processo de partilhas do lado do meu avô até corriam bem, havia espaço para diálogo e entendimento, só que houve um reverso provocado por outra pessoa, próxima do meu tio. Nos entretantos, o meu pai já tinha herdado a casa dos pais (meus avós), que agora passou diretamente para mim. E eis-me na ingrata tarefa de esvaziar a casa, ter de dar novo destino a mais de 60 anos de histórias de vida desta família. E ontem, ao encaixotar fotografias, cartas e postais, diplomas e outros itens de natureza pessoal, que são marcos na história de vida destas pessoas, senti que estava a fazer um segundo funeral, a enterrar o que resta da passagem delas por este mundo que conhecemos. E doeu. Abriu aquela ferida da perda, de quem tem vivido um luto a par do trabalho terapêutico de aceitação, reconciliação e perdão com a história de vida desta família.

Sinto-me esgotada. Emocionalmente esgotada. E a sentir este dever de ter de me manter firme porque há decisões a tomar, há assuntos a tratar, uma série de coisas a resolver. E ninguém me disse que esvaziar uma casa era tão difícil. Que tudo o que as pessoas acumulam ao longo de anos e gerações numa casa é absolutamente assustador na hora em que é necessário dar novo destino, porque a vida segue e para a frente é o caminho.

E não é a questão do desapego que me trava. Não sou materialista, não me apego a objetos e coisas como se fossem o elo de ligação com as pessoas. Para mim guardarei as fotos, cartas e postais, diplomas e a condecoração que em tempos o meu avô recebeu do Presidente da República. Não me interessam serviços de louça que ainda têm o preço agarrado. Nunca foram usados, portanto não posso olhar para os pratos e lembrar-me de um jantar de natal qualquer passado naquela casa. Não moro numa mansão (nem tenciono sequer mudar de casa por agora) para guardar mobílias e outras coisas, não sou (mais agora que tenho esta tarefa hercúlea) de ter mais do que aquilo que preciso e uso e, ainda assim, acho que já tenho os meus armários cheios, para ainda estar a levar para minha casa louça ou o que calha só porque sim.

Em abril comecei a contactar antiquários, casas de oportunidades e 2ª mão, interessados por velharias. Fotografei o espólio e divulguei fotografias. E até para dar a instituições de solidariedade, são mais os problemas e dificuldades que levantam, que as soluções que apresentam.

O desânimo tem sido uma constante. E esta terrível sensação de estar perdida, desorientada e sem saber para que lado me virar.

Posso fugir? Posso ir para uma ilha deserta e ficar lá até que tudo isto se resolva num passe de magia? Posso simplesmente virar costas e assobiar para o lado como se não fosse nada comigo?

Por aqui vivem-se dias difíceis. Num turbilhão de emoções. Demasiadas coisas a acontecer ao mesmo tempo e que estão a exigir muito de mim e a sugar a minha energia.Vou tendo as minhas bolhas de oxigénio para respirar fundo e ir aguentando. Por ora, terá de ser o suficiente. E a esperança que em breve possa ficar mais aliviada.

 

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