Privilégios de morar na praia
Ontem a aula de pilates foi na praia: pé descalço na areia, alongamentos, respirações, alguns agachamentos. No fim, ir à água molhar os pés e contemplar o pôr do sol. Simplesmente extraordinário.
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Ontem a aula de pilates foi na praia: pé descalço na areia, alongamentos, respirações, alguns agachamentos. No fim, ir à água molhar os pés e contemplar o pôr do sol. Simplesmente extraordinário.
Por estes dias podia ter vindo aqui, a esta caixa de texto em branco, despejar palavras. Teria muito a despejar. A questão é que a sessão de mentoria da semana passada deixou-me naquele estado de quem levou terapia de choque e precisou de silêncio e recolhimento para processar.
Ir cada vez mais a fundo nos traumas recalcados há anos é uma viagem solitária, ainda que esteja a ser devidamente orientada. E sim, é denso, é pesado. Enfrento os bloqueios que toda a vida me serviram de defesa, proteção, sobrevivência.
Não me curvo perante a dor. Sei que o caminho é enfrentar e seguir em frente. E tem o seu preço. E demora o seu tempo. Exige resiliência, consistência e coragem.
* Mário Quintana
No verão passado comprei um vestido. Modelo midi, cintado, vibe pin up girl.
Não o usei.
Hoje vesti-o pela segunda vez. Recebi elogios.
E pensar que estive quase a despachar o vestido, como arrependimento de uma alegada má compra. Ainda bem que lhe dei uma oportunidade. Ao vestido e a mim.
Almocei sozinha.
Ou melhor.
Almocei na companhia de um livro. Soube tão bem.
As pequenas coisas podem ser tão especiais.
Num dia particularmente estranho, as pequenas coisas podem ser uma lufada de ar fresco. Um incentivo. Um sinal que a vida, independentemente dos seus desafios, tem tanto de bom.
Hoje, num destes dias em que o síndrome do impostor se instala, a dúvida sobre o meu valor aperta no peito, a ansiedade pelo que o futuro irá trazer entra sem pedir licença, saber que fui intermediária de adoção de 4 gatinhos resgatados da rua encheu-me o coração e deu-me esperança. Coisas boas acontecem. Pequenas coisas que dão colorido aos dias.
Hoje foram aqueles gatinhos que resgataram a minha esperança. E salvaram o meu dia.
Parte do meu fim de semana foi num estado de espírito mea culpa.
Falhei. Errei. Excedi-me. Não controlei emoções e tive um momento "panela de pressão".
Admiti a falha. Pedi desculpa. E... e fiquei a sentir que não chega. Houve um dano e é preciso reparar esse dano.
Espero ter a sensatez e sabedoria necessária para essa reparação.
Hoje surgiu, numa conversa de Whatsapp com uma amiga, o tempo em que escrevíamos assídua e regularmente nos blogs.
Aliás, foi pelo blog que nos conhecemos e a amizade perdura até hoje.
Bateu uma saudade desse tempo. E uma vontade de regressar a este espaço, apenas para escrever, porque sim, porque se gosta e faz sentir bem.
Os blogs estão obsoletos, bem sei. E provavelmente é o que me faz ter mais vontade de regressar.
Ficou aqui uma sementinha a germinar. Grata por isso
TU PERTENCES AQUI
Há um gigantesco outdoor com esta frase em frente à sala onde agora estou no trabalho. Penso na ironia de olhar para isto o dia todo, quando o sentimento é precisamente o oposto.
Esta sensação de não pertencer, de sentir-me sem lugar deixa-me assim num vácuo.
Não me arrependo de ter mudado de emprego. De ter saído de onde estive a trabalhar durante quase 11 anos, onde tanto aprendi e cresci pessoal e profissionalmente. Quando me senti estagnada e bloqueada, quando, também esta sensação de já não ter lugar ali, começou a ser demasiado pesada para suportar, fiz a minha escolha: arrisquei a mudança.
Em meio ano no novo emprego enfrento uma nova mudança, que me tem deixado meia atordoada e sem rumo. A Direção do serviço mudou no início do ano. E vi a minha posição na equipa ser colocada em causa, porque a nova Direção entendia não precisar de alguém com aquelas funções. Contudo, isso não significava eu ter de mudar de serviço, havia lugar aqui para mim, mais abrangente ao serviço, a toda a equipa, e não apenas afeta à Direção.
Tudo bem.
E a partir daí tenho sentido que ando um pouco à deriva, com algumas indefinições, o que é apresentado numa semana, na outra já não é bem assim. Integrei uma equipa dentro do serviço, passei a ter uma chefia intermédia, assumi outras funções e tarefas, há intenção de me atribuírem algumas responsabilidades, e estou bem com isso. Contudo, ainda pouco se concretizou. Em janeiro ocupei o tempo a fazer formações, antes isso que ficar a olhar para a parede.
Sei que sou o elemento mais recente do serviço, entrei para uma função muito específica (assessora de Direção). Felizmente para mim entrosei-me bem com a Direção que me seleccionou, desenvolvemos metodologias de trabalho e organização eficientes, em pouco tempo ganhei a confiança e senti as minhas competências valorizadas. Cedo percebi que eu era uma das exceções. A maioria das pessoas do serviço não gostava da Direção, e sem entrar em detalhes que para aqui não interessam, faço apenas uma analogia clichê: quando uma equipa quer pôr o treinador a andar, o que faz? Apresenta maus resultados, faz boicotes, entre outras coisas pouco dignificantes.
O desfecho foi a pessoa que assumia a Direção do Serviço ser posta a andar, veio outra em regime de substituição.
Se o desempenho do serviço melhorou? Não. Isto anda meio desgovernado, tudo o que a anterior Direção implementou (e principalmente os vícios que cortou - breve nota explicativa, trata-se de uma instituição da Administração Pública, onde não faltam exemplares de funcionários públicos daqueles que dão a fama, cheios de direitos, zero deveres, uma cambada de "velhos do Restelo" que não aceitam mudanças porque "sempre se fez assim", e ai de quem lhes faça frente e mexa naquilo que acreditam ser o seu poder ou direito adquirido) em menos de nada foram por água abaixo.
Entretanto, a nova Direção que entrou a dizer que não precisava de uma pessoa só afeta a ela como assessora, decidiu há duas semanas atribuir essa função a uma outra pessoa do serviço. E mais uma vez, ironia da vida, a mesma pessoa que, quando eu entrei atirou comentários sarcásticos e com tom de desprezo sobre ser "secretária" ou "assessora", agora anda cheia de manias e a achar-se super importante porque é ASSESSORA da Direção. Na verdade deve achar-se vice-diretora, da maneira como começou a dar ordens a tudo e todos, incluindo as chefias intermédias, e a controlar os colegas. As voltas que a vida dá e como as pessoas se revelam mediante os contextos.
Estou no meu canto. Deixei de ter um gabinete individual, passei para uma sala open space. Voltei a ter de levar com colegas que passam o dia na conversa, a falar e a discutir merdas sem qualquer respeito por quem também está no mesmo espaço e precisa de sossego para se concentrar e fazer o seu trabalho.
Dou por mim a sair da sala quando o teor da conversa é meio viperino e não me apetece de todo estar ali a levar com aquela toxicidade. Prefiro descer e ir até lá fora fumar um cigarro sozinha, do que estar ali nas conversas cruzadas da treta. Prefiro almoçar sozinha (ou sem companhia de pessoas, porque aproveitar para ler não é estar sozinha) do que alinhar nos grupinhos. Vox populis, "nas costas dos outros vemos as nossas", são tão amigas e colegas de trabalho de anos, e fazem com cada comentário nas costas umas das outras. E depois almoçam juntas e até vão à missa um dia por semana, na hora de almoço.
Sinto-me uma outsider, a assistir de fora a este circo. Só falta começar a trazer pipocas. Já esteve mais longe.
Se me sinto sozinha? Não, de todo. Tenho bons colegas, daqueles que, como eu, estão ali para trabalhar, para prestar o melhor serviço possível, sem medo de mudanças ou de implementar outras metodologias que promovam a eficiência do serviço. E são homens. Pragmáticos. Racionais. E com mais inteligência emocional que o mulherio. Ou pelo menos com mais honestidade, frontalidade e transparência.
Agora atirem-me pedras pela minha falta de sororidade. É o que é.
Respiro fundo. Olho para o outdoor e lembro-me que há meses atrás foi para aqui que vim. Como nada acontece por acaso, acredito que tenho lugar aqui. Posso é ainda não ter percebido bem qual é. Pertenço a uma grande instituição, o serviço onde estou é apenas uma parte de um universo muito mais vasto e complexo. Ainda não sei se é neste serviço que encontrarei o meu lugar, ou se terei de entrar em mobilidade interna para encontrar esse lugar onde sinta essa pertença.
Se há cheiro que me faz inspirar fundo, fechar os olhos, e ficar, por um momento que seja, com o olfato a bater palminhas é o cheiro a maresia. Traz-me uma sensação de frescura, de tranquilidade. E se além do cheiro a maresia ainda ouvir o marulhar das ondas, então ao fechar os olhos sinto-me a levitar, embalada numa sensação de paz indescritível.
Ontem, ao chegar a casa, tive um destes momentos. Fui até à varanda, o cheiro a maresia estava mais intenso. Ouvi as ondas ao fundo. Fiquei ali um momento, só a inspirar e a expirar. Lentamente.
Mais tarde soube que, naquele exato momento em que eu vivia um momento zen na minha varanda, na praia havia trágica movimentação. Uma mulher perdia a vida, junto ao mar. Acidente ou suicídio, as versões agora multiplicam-se pelas múltiplas vozes que comentam o sucedido.
Atravessa-me um arrepio. Apenas desejo que, para além dos comos e porquês, dos detalhes que alimentam a curiosidade alheia, a pessoa tenha encontrado a sua paz.
O mar de inverno também tem o seu encanto misterioso. Os tons mesclados de cinza e azul, o rugir das ondas, os resquícios de tempestades longínquas depositados na areia fria. Gosto (quase) tanto de caminhar à beira mar nestes dias como nos dias de sol espelhado nas águas, tranquilas no seu murmúrio suave.
Há umas semanas, nestas caminhadas, surgiu uma pequena frase na minha cabeça. Foi um ou dois dias depois de uma sessão de terapia. Desde então, a frase revisita-me, vezes, sem conta, como que vinda na espuma das ondas. Uma, e outra, e novamente...
a minha dor não sou eu
Por maior que possa fazer-se sentir, não me define.
Por mais forte que possa insurgir-se, não me controla.
Por muito que teime em persistir, não me limita.
eu não sou a minha dor
Sou tanto para além da dor, e parte do que sou veio da dor.
É uma sala de aprendizagem, não uma sala de estar e permanecer.
É um veículo de desenvolvimento, não um navio que afunda comigo lá dentro.
É um percurso, não a casa.
É como as marés. Não é o Mar.
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