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Estórias na Caixa de Pandora

Estórias na Caixa de Pandora

07
Mar16

Ulisses demorou dez anos a regressar a casa

Eu só à quarta tentativa é que consegui entregar umas análises no centro de saúde.

A história. Em dezembro, na consulta anual de planeamento, a médica de família mandou-me fazer análises, que já não fazia há dois anos e blá blá blá. Passou a credencial, deu-me um papelinho com o nº de processo e o nome dela e as instruções eram bem claras: assim que tiver o resultado das análises, deixe lá fora (secretaria) juntamente com este papelinho, caso haja alguma coisa fora do normal, entro em contacto consigo, se estiver tudo normal, as meninas lá fora ligam para vir levantar as análises.

Ora bem, fiz as análises em início de fevereiro, depois de as levantar têm andado na mala a ver se tenho um bocadinho para lá passar e deixar. De manhã é impensável lá passar, que está sempre cheio de gente, principalmente dos fofos dos reformados, que adoram ir fazer sala e conversa para tudo quanto é sítio de atendimento público: posto de saúde, posto de correios, junta de freguesia, and so on. Como o centro de saúde está aberto à hora de almoço, como fica em caminho quando vou a casa almoçar, lá tentei a minha sorte. 

Primeira tentativa: Pandora sai do trabalho, vai direta ao centro de saúde. Dos dois guichets para atendimento, um está fechado (hora de almoço, entende-se), o outro tem a funcionária mais besta fofinha de lá do sítio. Idoso encostado ao balcão a reclamar dos cortes da pensão. E a funcionária a fazer perguntas muito profissionais, suponho: então e quanto é que lhe cortaram? mas recebe quanto de base? com duodécimos? E o velhinho maldizia os cortes da reforma, e ela dava-lhe conversa e esmiuçava valores e eu ali com as putas das análises na mão SÓ para entregar. Sim, é SÓ DEIXAR. Sem mais nada. Desisti. Tinha de almoçar e regressar ao trabalho.

Segunda tentativa: no dia seguinte, repito a proeza do dia anterior. Saio do trabalho, passo no centro de saúde. Oh diabo. Está fila. Um guichet fechado, ok, hora de almoço. O outro guichet sem ninguém. Onde está a besta fofinha? Ah espera, está lá fora a falar ao telemóvel. Espero. Chega mais gente. Começo a ficar com dúvidas se devia tirar a porra da senha, porque ainda não percebi quem é que tem de tirar senha, já que ali para consultas marcadas, não é preciso senha, para utentes prioritários, não é preciso senha, para levantar exames, não é preciso senha... e quem tem senha é sempre o último a ser chamado. Viva a organização. Eu só venho entregar um envelope com análises, precisarei de senha? Não sei, não tirei, a fila cresce e a besta fofinha em vez de vir atender o pessoal, continua a falar ao telemóvel, sem se lembrar que está sozinha porque a colega foi almoçar. Desisto.

Terceira tentativa: pedi ao Gandhe que lá passasse, já que teria mais tempo do que eu para lá ir à tarde. E ele foi. Uma fila desgraçada. Como era só para entregar, foi falando com as pessoas que o deixaram passar à frente. Calha-lhe na rifa quem? A besta fofinha. Não recebeu aquilo porque tem de tirar senha. Mas é só para deixar. "Ah, não pode ser, tenho de abrir um processo." Desistiu ele.

Quarta tentativa: hoje já tínhamos a estratégia mais ou menos delineada - eu passava lá na minha hora de almoço, se não conseguisse, deixava as análises em casa e ele ia lá durante a tarde. Objetivo: Tentar que fosse a outra funcionária, que não a besta fofinha, a receber as análises. Chego lá hoje e tiro logo a puta da senha. Respiro de alívio quando vejo que esta semana devem ter trocado, e a besta fofinha estava a almoçar. Pessoas à espera. As sem senha a passar à frente, as com senha a esperar. Duas pessoas com senha à minha frente. O que vale é que aquela moça despacha bem o serviço, não é como a besta da colega que está ali do contra e a engonhar. Em cinco minutos estava a ser chamada. Entrego o envelope, fico à espera de algum "processo" para assinar, ou que me peçam o cartão de cidadão. "É só deixar, obrigada. Em princípio, se não houver nada em contrário, pode vir buscá-las na sexta, que a Drª até lá já as viu."

Foda-se! Vou ter de passar por isto outra vez para ir buscar as análises?

Aproveito e deixo a dica: peguem nos psicólogos desempregados e montem guichets nas salas de espera dos centros de saúde, uma espécie de guichet das lamentações. Assim a terceira idade vai para lá desfiar o rosário e liberta o pessoal da secretaria para trabalhar e atender pessoas. 

 

À quarta tentativa consegui deixar as análises no centro de saúde para a médica as ver. Só deixar um envelope direcionado à médica com o respetivo nº de processo. Só entregar. A sério, nem imaginam como me apeteceu enfiar aquela porra na caixa do correio.

 

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